Definitivamente, o Veganismo tem sido debatido e praticado no mundo todo como nunca antes na história moderna. Uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2018 aponta que 14% da população brasileira se declarou vegetariana, já nos EUA houve um crescimento de 600% de pessoas veganas e 8% da população do Reino Unido é vegana. Os benefícios que o modo de vida vegano pode trazer aos animais não humanos são excepcionais, mas é notável que além da consideração moral à senciência dos animais não humanos, os motivos de escolha pelo veganismo possuem mais duas vias de acesso como o protecionismo ambiental e a saúde humana.
Como estamos celebrando a Semana Nacional do Meio Ambiente é preciso recuperar os fundamentos originais do Veganismo para, posteriormente, relaciona-las com o ambientalismo e evidenciar similaridades teóricas e práticas. É importante citar que a nomenclatura Veganismo foi criada por Donald Watson em 1944 após conflitos entre praticantes de uma vida sem produtos de origem animal que participavam da Sociedade Vegetariana da Grã-Bretanha. Houve, portanto, a necessidade de uma nova designação para este modo de vida que vai além de uma simples dieta.
Porém, esta prática social remonta à Antiguidade Clássica no mundo Ocidental, que já era difundida por Pitágoras no século 400 a.C. Outras personalidades icônicas surgiram em variados tempos históricos em defesa de uma vida sem exploração animal como São Francisco de Assis que apresentou o paradigma animalista ao Cristianismo e diversos outros pensadores modernos que introduziram o debate da condição dos animais nas ciências sociais como Voltaire e Leon Tolstói. Atualmente, diversas escolas já apresentaram distintas perspectivas de ação acerca da libertação animal que é, de fato, o objeto de ação do Veganismo e que possui a senciência como categoria fundamental.
A etimologia da palavra senciência remonta à consciência e não aos sentimentos e às sensações. Desta forma, considera-se que os animais não humanos possuem consciência de qualquer ação direcionada a eles e capacidade de considera-las benéficas ou maléficas a sua integridade, pois, respondem a estas mesmas ações por si mesmos. Como exemplo, observa-se bovinos em pastos que buscam se protegerem do sol escaldante debaixo de árvores e, de maneira biologicamente mais distante, qualquer toque dado a um inseto será respondido com a ação de fuga ou de autoproteção. Evidencia-se que todos os animais não humanos, sejam estes vertebrados ou invertebrados, são seres sencientes, ou seja, são capazes de responderem a estímulos externos e de maneira autônoma.
Sendo assim, o modo de vida Vegano praticado pelos humanos deve considerar a senciência dos animais não humanos como elemento central para suas interações. É justamente no debate sobre a ética atualmente ainda pautada no especismo que se incentiva a valorização moral da senciência. O especismo por sua vez é a discriminação sofrida por indivíduos de outras espécies por parte dos animais humanos pelo simples fato de não serem humanos.
A partir da exposição da senciência como categoria fundamental do Veganismo e o especismo como a consideração moral a ser abandonada, é necessário enquadra-los no atual contexto social que possui o antropocentrismo como a ética predominante. O antropocentrismo, ou seja, a consideração de que os humanos são os seres dominantes e os mais desenvolvidos no Planeta Terra, foi intensificada com o advento da ciência moderna cartesiana que considerada o ambiente natural um mero espaço para experimentações e fonte de recursos para a reprodução social, bem como, considera os animais não humanos também meros recursos para as necessidades humanas.
Consequentemente, o antropocentrismo é a ética responsável atual cenário das mudanças climáticas e sua consequente catástrofe ambiental que se aproxima. Os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 foram os mais quentes da história já registrados e as ações antropogênicas, ou seja, ações realizadas pelos seres humanos, são comprovadamente a causa responsável. A comunidade científica já alertou que se não atingirmos a meta de aquecimento máximo de 1,5 graus Celsius até 2030, a vida no Planeta estará extremamente comprometida incluindo as sociedades humanas como as conhecemos. Atualmente, caminhamos para aquecer o Planeta em 2 graus Celsius até a citada data limite.
O aquecimento global tem causado a acidez drástica dos oceanos por absorverem 90% de gás carbônico (CO2) emitidos pelas atividades econômicas humanas. Com a acidificação dos oceanos, os corais que são extensas colônias de crustáceos têm desaparecido, seres unicelulares essenciais para outras vidas marítimas têm decaído assustadoramente e, mais ainda, ciclos de chuvas e de massas de ar tem sofrido alterações intensas causando distúrbios em outros sistemas como selvas, florestas, campos e até mesmo desertos que são habitats para as mais diversas espécies de animais não humanos. Como exemplo concreto, animais migratórios têm perdido espaço para sua reprodução com o degelo de áreas congeladas próximas aos polos Norte e Sul do Planeta Terra ficando expostos às adversidades ambientais e, consequentemente, suas populações também têm sido reduzidas.
Justamente neste cenário de degradação de biomas em nosso planeta, destruição de habitats de animais não humanos e, caça e pesca predatórias em escala industrial, estamos vivenciando a sexta extinção em massa de espécies animais com mais de um milhão de espécies ameaçadas de extinção. Mas, para combater a atual degradação da vida no Planeta Terra de forma imediata é necessário, ao menos, apontar e agir sobre suas causas mais graves.
A atual extração exacerbada de elementos naturais e a substituição de selvas, florestas e campos por extensíssimas áreas destinadas a agropecuária é responsável por 1/3 (um terço) das emissões totais de gases causadores do efeito estufa. Outro 1/3 (um terço) é de responsabilidade da mineração, enquanto todas as outras atividades econômicas são responsáveis pelo último terço das emissões destes gases.
Os dados sobre o atual processo de desaparecimento de espécies animais se intensifica ao considerarmos que 96% dos animais mamíferos no Planet a são compostos pela população de 7,7 bilhões de animais humanos e todos aqueles animais não humanos domesticados. Somente 4% dos animais não humanos mamíferos vivos são silvestres e estes estão vivendo sob pressão absoluta em seus habitats naturais.
Certamente, o modo de vida vegano possui grande potencial para a desaceleração das emissões de gases do efeito estufa já que elimina a utilização de produtos de origem animal e a sua dieta vegetariana necessita de 12 a 30 vezes menos área agricultável quando comparada a pecuária. Desta forma, o Veganismo além de eliminar qualquer exploração direta de animais não humanos, também diminui a pressão humana sobre os habitats dos animais não humanos silvestres.
No entanto, é importante frisar que o objetivo do Veganismo é a libertação animal. Sendo assim, além de criar condições objetivas para a proteção dos animais que foram historicamente domesticados pelos animais humanos, este modo de vida deve projetar ações para a proteção dos indivíduos vulneráveis e ameaçados pelas mudanças climáticas e colaborar com a redução da depredação que estes sofrem pelas causas naturais.
O protecionismo ambiental defendido pelo Veganismo deve ser considerado uma consequência da proteção dos habitats naturais dos animais não humanos que vivem na natureza. A vida no Planeta Terra, como conhecemos, nunca esteve tão ameaçada e ainda que sejamos a espécie animal dominante da biosfera e que a utilizou aos seus próprios motivos suprimindo seres sencientes, podemos sim reverter este quadro. A nossa capacidade de alteração da Natureza deve agora ser revertida para a recuperação da mesma. Temos somente 11 anos para desacelerar o aquecimento global. Ainda há tempo.